BLOG

PALCO SÃO SEBASTIÃO, O ELO QUASE PERDIDO ENTRE O ARPOADOR DOS ANOS 80 E A LAPA ATUAL

Palco São Sebastião,  o elo quase perdido entre o Arpoador dos anos 80 e a Lapa atual

Ou: como um cortejo foi capaz de reunir índios, cristãos, artistas de rua e batizar o palco mais charmoso da Lapa 

Que a Fundição Progresso é um caldeirão cultural, todo mundo já sabe. O que pouca gente sabe é que nada expressa melhor isso do que a história do Palco São Sebastião.

Muitos frequentadores ocasionais da Fundição Progresso sequer sabem que o Palco São Sebastião é o Palco São Sebastião, ainda que ele seja literalmente a primeira coisa que se vê após subir a escadaria de frente para a entrada. 

Em noites de show no Palco Arena - o palco principal da casa - talvez, para os mais distraídos, aquele hexágono suspenso localizado no centro da antiga fábrica de ferros pareça um simples adorno, ou um lugar para se apoiar no fim da noite. Se você só vai na Fundição Progresso em noites de O Rappa, ou Natiruts, talvez nunca tenha dado a devida atenção a ele.   

Mas os mais atentos - ou qualquer um que já tenha ido em um show no Palco São Sebastião - rapidamente percebem que ele é muito mais do que isso. "Intimista" é uma palavra óbvia, mas inevitável: os shows possuem uma atmosfera única e especial. Basta perguntar para qualquer um que já tenha assistido a um show ali, ou simplesmente para qualquer artista que já tenha se apresentado. 

Na última edição do programa Fundição Resenha (um programa de entrevistas da Fundição apresentado pelo João Cavalcanti, com todos os episódios disponíveis no canal oficial no YouTube), Pretinho da Serrinha, último artista a se apresentar no Palquinho, comentou a sensação. “Diferente de um palco tradicional, no Palco São Sebastião não há um lado certo, isto é, por mais que a estrutura esteja montada em alguma direção, há público por todos os lados, obrigando o artista a estar em constante movimento, atento para cada rosto que se coloca a centímetros de distância dele”.

Outro detalhe é que não há coxia. Diferente do Palco Arena, em que o artista percorre um caminho exclusivo do camarim até o palco, no São Sebastião ele precisa necessariamente passar pelo público - ainda que, geralmente, cercado por seguranças - para iniciar o show. O calor humano se faz presente desde o primeiro instante até o último, quando o artista faz o caminho de volta. A relação que se forma com o público é única, quebrando uma parede hierárquica que geralmente existe em palcos tradicionais.

A hierarquia, aliás, de um modo geral, é a menor possível no Palco São Sebastião. Não há também área destinada a fotógrafos, que precisam se acotovelar e disputar cliques com fãs vorazes munidos de smartphones, e ainda por cima desviar de baldes de cerveja que se multiplicam no chão ao longo da noite.

Mas, afinal de contas, da onde vem o nome São Sebastião?

São Sebastião, como todos sabem, é um santo cristão e padroeiro da cidade do Rio de Janeiro. Há uma imagem dele, em tamanho real, da forma como costuma ser apresentado - flechado e amarrado em um tronco de árvore -, de frente para o palco. Por isso o nome.

O que pouca gente sabe é como essa imagem foi parar ali.

A imagem de São Sebastião ficou à mostra no Circo Voador original - o do Arpoador, dirigido pelo Perfeito Fortuna durante os anos 80 - por mais de 15 anos. Durante um ensaio da Intrépida Trupe (que, junto com a turma do antigo Circo, também ocupa a Fundição Progresso) em meio aos escombros da antiga estrutura, reparou-se que a imagem continuava lá, intacta, virada para a direção da Lapa. Aquilo, evidentemente, era um sinal: São Sebastião precisava ser trazido para a Fundição Progresso.

O resto é História - e só quem estava lá viu.

A imagem foi então trazida pelos índios Yawanawá do Acre e Kariri Xocó do Alagoas, em um grande cortejo, no evento inaugural da administração de Perfeito frente à Fundição Progresso, no dia 19 de abril de 1999 - dia do Índio. A peregrinação contou com águas da cachoeira e do mar, sabonete de babaçú das quebradeiras de coco do Maranhão e flores colhidas da velha horta comunitária dos artistas.

São Sebastião chegou ao novo lar sob os olhares incrédulos de todos que presenciaram e acompanharam aquele encontro mágico entre índios, cristãos e artistas pelas ruas do efervescente Rio de Janeiro do fim do século XX. O cortejo terminou com os índios colocando a imagem do santo cristão no alto da construção, onde está até hoje, e batizando com o seu nome o palco mais charmoso da Lapa.

Até hoje, todos os anos, a imagem é trazida até a portaria da Fundição, onde os índios da Aldeia Maracanã e os integrantes da cultura afro em atividade na casa renovam os votos de proteção feitos para a Fundição e para o povo do Rio de Janeiro.

Da próxima vez que você passar pelo Palco São Sebastião, independente de sua crença, pense nessa história.

E não deixe de olhar para cima.


Texto por: Luiz Franco 
Fotos: Diego Padilha